O desafio é formar discípulos

Sexta, 21 Fevereiro 2014 14:29cnbb

Dom Zeno Hastenteufel Bispo de Novo Hamburgo (RS)

No sétimo domingo do tempo comum, a Igreja lança o grande desafio de formar discípulos de Jesus Cristo. Estamos há dois mil anos neste esforço. Era esta a tarefa que o Cristo Ressuscitado tinha deixado aos seus discípulos: “Ide ao mundo inteiro, fazei discípulos meus todos os povos, e batiza-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,18).

Na verdade, com muito custo, nós conseguimos batizar mais ou menos um terço da humanidade. Mas, conseguimos tornar discípulos do Senhor nem 10% destes batizados. O Documento de Aparecida reconhece esta grande defasagem. Por isso os bispos reunidos em Aparecida, com o Papa Bento XVI, nos lançam este desafio. Precisamos transformar o nosso povo católico em discípulos e missionários de Jesus Cristo.

Já no Antigo Testamento, Deus se revelou a Moisés e o constituiu seu líder do povo, rumo à terra prometida. Através de Moisés, Deus queria transformar todo o povo em verdadeiros discípulos do Senhor. Eis o que se encontra no Levítico: “Fala a toda a comunidade dos filhos de Israel e dize-lhes: sede santos porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lev 19,2).

Na mesma direção vai a primeira carta de Paulo aos Coríntios: “Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós?”(1 Cor 3,16). Para Paulo, a fé em Jesus Cristo é algo tão sério que, pelo batismo, nos tornamos verdadeiro santuário de Deus, verdadeira moradia do Espírito Santo.

Mas, para que ninguém fosse seduzido pela vaidade, deixa um alerta: “Que ninguém ponha sua glória em homem algum. Com efeito, tudo vos pertence: Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente, o futuro; tudo é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1Cor 3,21-23). Se nós estamos assim tão intimamente relacionados com Jesus Cristo, fique bem claro que isto não é mérito nosso, mas obra da graça de Deus. Ele nos chamou para sermos discípulos do Senhor.

 

Já o Evangelho deste domingo nos esclarece sobre o modo de vida que o discípulo precisa levar. Não basta apenas observar as leis antigas. É preciso ir além, comungar também com o espírito da lei. Em vários parágrafos, ele anuncia: “Aos antigos foi dito, eu porém vos digo”.

O discípulo de Jesus Cristo não se contenta em seguir a lei, ele precisa dar um passo a mais: “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! Assim vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,44-45).

Natal: alegrai-vos!

Dom Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo

Quantas vezes ouvimos, no Advento e no Natal, o convite à alegria! “Alegrai-vos e exultai”, convida o profeta Isaías a um povo que tinha experimentado a prostração e o fracasso (cf Is 52,9). E convida toda a natureza a participar da experiência de salvação prometida por Deus: “alegre-se a terra que era deserta, exulte a solidão da floresta, germine e exulte de alegria e louvores” (Is 35,1). O anúncio da salvação refere-se à ação de Deus, que resgata o homem e o mundo de sua tristeza e de sua insignificância.

Quando o anjo Gabriel anunciou a Maria, que Deus a escolhera para ser a mãe do Salvador, mais uma vez aparece o convite à alegria: “alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo! (Lc 2,28). Ao visitar sua prima Isabel, esta vai-lhe ao encontro com um grito de alegre surpresa: “bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” E revela um segredo sabido somente por ela: “logo que ouvi a tua voz, o menino pulou de alegria no meu ventre!” (cf. Lc 1,42-45).

Maria, por sua vez, não poupa em manifestações de alegria e júbilo, ao proclamar as grandes coisas que Deus estava fazendo por meio dela: “a minha alma engrandece o Senhor e exulta de alegria meu espírito em Deus, meu Salvador!” (Cf. Lc 1,46-47). Depois, o nascimento de João Batista é comemorado com alegria pela vizinhança e pelo próprio pai, Zacarias (Cf. Lc 1,57-68).

No nascimento de Jesus, mais uma vez entra em cena o anjo, que convida os pastores a se alegrarem com a “boa nova”, destinada a ser notícia boa também para todo povo! (Cf. Lc 2,10). Os pastores são inundados de alegria e saem a contar a todos os que viram e ouviram...

O Natal traz alegria e não é sem motivo. É Deus que conforta a humanidade, vindo ao seu encontro, fazendo-se próximo de cada homem. Ninguém mais precisa viver nas trevas da desorientação, na angústia e na solidão. O Natal nos lembra que Deus olha para nós com imenso amor.

O papa Francisco, na sua recente Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, ajudou-nos a ter uma consciência renovada de que o anúncio cristão é uma “boa notícia”, um motivo de alegria profunda. Deus entrou na nossa história; por meio do Filho, Jesus de Nazaré, viveu na nossa condição humana, santificou-a e elevou-a a uma dignidade luminosa! E convida-nos a viver na comunhão com ele!

Por isso, o Natal precisa ser celebrado com intensa alegria: em família, porque se refere a um acontecimento de família; na paróquia e nas várias comunidades de fé, porque é um acontecimento de fé; na comunidade humana inteira, porque o nascimento do Salvador não foi somente para os cristãos, mas para todas as pessoas “de boa vontade”, ou “a quem Deus quer bem”!

E sejamos nós, os cristãos, os primeiros a dar sentido à festa do Natal, para que ela não se perca em exterioridades e no consumo de bens. Demos graças a Deus pela obra da redenção realizada por meio de Jesus Cristo em nosso favor. Alegrai-vos, alegremo-nos! O Senhor está perto! Ele se fez “Emanuel”, que significa: Deus no meio de nós!

Desejo feliz e abençoado Natal de Jesus para todos os leitores. Deus esteja sempre em sua vida e lhe dê muita paz e alegria!

O protagonismo da juventude no Ano da Fé

O protagonismo da juventude no Ano da Fé

 

Dom Orani João Tempesta Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

Estamos vivenciando com toda a Igreja a celebração do Ano da Fé convocado pelo Santo Padre Bento XVI, cuja vivência se estenderá até o mês de novembro de 2013. O objetivo da convocação de todo um ano de celebrações dedicado a esse tema tem por finalidade inserir a temática da Fé numa perspectiva de redescoberta do valor que ela possui, para assim contextualizar a importância da comemoração dos dois grandes acontecimentos celebrados pela Igreja nos últimos anos: o 50º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II (1962-1965) e o 20º aniversário da promulgação do Catecismo da Igreja Católica.

O Concílio Vaticano II, como sabemos, foi uma sábia e necessária contextualização da Igreja em sua missão de “anunciar a Boa-Nova a todas as nações” (cf. Mc 16,15). Tratou-se de um aggiornamento, no dizer do Beato João XXIII, que promoveu na Igreja uma atualização de seu papel na sociedade, renovando sua pastoral no intuito de realizar melhor sua missão profética no mundo. O Catecismo da Igreja Católica, por sua vez, seguindo os passos do Concílio no tocante à explicitação clara e objetiva do conteúdo do Depósito da Fé, procurou também expor a perene Doutrina Católica, atualizando a linguagem por meio da qual ela é exposta e enfatizando sua essência, bem como iluminando e transmitindo o conteúdo da Fé Cristã frente às questões da atualidade. Deste modo, tanto o Concílio Vaticano II quanto o Catecismo da Igreja Católica tiveram um primordial objetivo: sublinhar a essência da Fé Cristã para melhor testemunhá-la na sociedade contemporânea. O anúncio da salvação em Cristo constitui a essência da Igreja e é por meio dele que ela realiza sua missão de santificar a humanidade.

Será muito importante que aprofundemos o conhecimento de nossa fé tomando em nossas mãos  o youcat, versão jovem do catecismo. Tanto poderia ser estudado na sequência em que foi impresso como através dos temas que as (arqui)dioceses sugerem para cada mês. A juventude é chamada a dar as razões de sua fé. Porém essa fé deve ser vivida intensamente, e com alegria.

Atualmente, percebemos com muita clareza que a nossa sociedade encontra-se gravemente transformada; vivemos em meio a uma mudança radical de conduta, que é fruto da inversão dos valores fundamentais do ser humano e da indiferença à religiosidade, diante da qual a Igreja é novamente chamada a manifestar a resposta cristã diante dos desafios que parecem estabelecer um “divórcio” entre a Fé e a sociedade moderna.

Entretanto, ainda que em meio a este ambiente de transformações, “não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da Fé, todavia vivem uma busca do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo” (Porta Fidei, n. 10). Dentre estas pessoas, sem dúvida a juventude vive intensamente essa busca. Bombardeada pelas ideologias que a sociedade contemporânea difunde e nas quais fundamenta seus valores, a juventude vive essa busca da verdade e do sentido último acerca de si mesmo e do mundo, e em cada jovem ressoa a necessidade de conhecer a si mesmo e de transcender à descoberta do absoluto. Apesar das revoluções e transformações das últimas décadas, tais como a globalização, os progressos sempre crescentes dos meios de comunicação, a liberdade de expressão, e tantas outras mudanças no contexto cultural, permanece sempre viva na juventude a busca pelo que está além de tudo isso, pelo que a preenche de maneira completa, por aquilo que lhe permite vivenciar o absoluto. Aliás, essa busca é de todo o ser humano.

Nesta busca da juventude imersa numa sociedade regida por valores tão contraditórios, aos quais ela termina às vezes por aderir levada pela corrente do relativismo exacerbado, abre-se como outrora aos gentios a porta da Fé (cf. At 14,27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja (cf. Porta Fidei, n.1). Uma vez adentrando por essa porta da fé, o jovem descobre a maravilha deste dom sobrenatural que ela é e inicia a vivência dos frutos de renovação interior que o mesmo dom da fé origina.

O primeiro fruto, certamente, é a resposta para as indagações sobre o sentido último e sobre a verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Em Deus, que é a Verdade, contemplamos a verdade acerca de todas as coisas, pois Ele nos revela a verdade sobre nós mesmos em Cristo Jesus, dando-nos a compreender aquilo que não nos é acessível apenas pela razão. Esta descoberta, em se tratando da juventude, promove um resultado magnífico: o jovem, uma vez pleno do entusiasmo que a própria juventude lhe assegura, ao descobrir a verdade que é Deus, revelada plenamente em Cristo, não a toma apenas para si mesmo, mas vê-se impelido a transmiti-la aos demais jovens e assim a todos que vivem à sua volta. Essa é a experiência dos primeiros cristãos, que uma vez abraçando a Fé, descobriram que Deus é a verdade de todas as coisas e que n’Ele está a resposta para todas as nossas indagações.

Essa experiência de Deus, que leva o jovem a irradiá-la aos demais, é precisamente o segundo fruto que podemos colher ao adentrar a porta da Fé. Ela constitui a finalidade do Ano da Fé, ou seja, o testemunho. Mais do que sempre, testemunhar digna e verdadeiramente a Fé Cristã é uma necessidade dos últimos tempos, pois a nossa juventude tem sede de inovações, e esta sede também é sentida no âmbito da Fé. Disso surge a pergunta que certamente ecoa no coração dos pastores da Igreja, que ecoou nesse Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização que acabamos de celebrar, e que ecoará durante este Ano da Fé: como tornar a Fé uma experiência atrativa para aqueles jovens que ainda não puderam adentrar pela porta da Fé e assim conhecer a Verdade?

O Cristianismo é uma experiência pessoal com Cristo, que se comunica conosco e nos leva naturalmente a comunicar esta experiência, ou seja, a testemunhar a maravilha desse encontro pessoal. Trata-se de transparecer a maravilhosa aventura de crer, de evidenciar, por meio das várias circunstâncias da vida, que Cristo nada nos tira, antes nos doa tudo, e que por isso não é preciso temer a experiência com Ele.

Desta maneira, jovens, Cristo chama cada um de vocês a testemunhá-Lo de modo autêntico, sincero e fiel. Certamente há quem se pergunte como fazê-lo; muitas, pois, são as formas. Em primeiro lugar, na vivência do Ano da Fé, a juventude é chamada a resgatar o valor da família. Atualmente, a vida acadêmica, o engajamento no mercado de trabalho e as demais circunstâncias da vida de nossa juventude terminam por fazer com que tempo algum seja dedicado a estar em família, ao diálogo com os familiares. A família, conforme nos afirmou o Papa Paulo VI, é a “Igreja do Lar”. Dessa maneira, é preciso que a nossa juventude seja a protagonista de um resgate da família, pois vivê-la e manifestar assim sua essência e sua importância é um concreto testemunho cristão.

Não de menor importância é o testemunho da juventude no meio acadêmico e profissional e, por isso, os jovens são chamados a manifestar na escola e na universidade que a Fé Cristã não a tolhe, antes a motiva, pois a investigação acadêmica também é um meio de se chegar à verdade das coisas, e que a alegria de servir a Cristo e viver em comunhão com Ele nos leva a descobrir que os caminhos da ciência em busca do conhecimento têm seu valor, pois são formas de se chegar à Verdade na qual tudo possui razão de existir. De igual maneira, a honestidade e a dedicação próprias de um bom profissional também são um testemunho cristão, uma vez que ao modelo de Cristo, que dignamente desenvolveu uma vida profissional como operário, o cristão é chamado a construir uma sociedade por meio de uma vida profissional digna e autêntica.

Na simplicidade desses testemunhos de autêntica vida cristã, a mensagem de Cristo será evidenciada naturalmente a todos quantos d’Ele necessitam, e assim, a Fé será irradiada não somente como uma experiência meramente pessoal e individual, mas como uma ligação entre o ser humano e Deus, que estabelece uma fraternidade entre todos que por ela se deixam abraçar, renovando e dando sentido pleno à existência e respondendo às indagações mais profundas do íntimo de cada homem e de cada mulher. O protagonismo da juventude nesse testemunho ganha especial relevo à medida que os jovens são a esperança do amanhã e, por isso, uma vez deixados abraçar pela experiência do encontro pessoal com Cristo, irradiam a profundidade dessa experiência, estabelecendo assim uma fraternidade que, centrada no próprio Cristo, constrói uma sociedade transformada pela ação salvífica do Verbo de Deus, o próprio Cristo Jesus.

Em suma, neste Ano da Fé, todos somos chamados a testemunhar de maneira objetiva a Fé Cristã. Todavia, a juventude torna-se a protagonista deste testemunho à medida que nela estão centradas as expectativas acerca do amanhã. Por isso, que cada jovem viva intensamente sua vida cristã e fundamente-a por meio de uma sólida vida espiritual. Deste modo, é imprescindível que a juventude creia firmemente na Santíssima Eucaristia como fonte e ápice da vida cristã, e manifeste essa fé por meio da fiel e ativa participação nas missas dominicais. Que a juventude se reconheça sempre necessitada da misericórdia de Deus e por isso não hesite em reconhecer e recorrer ao Sacramento da Confissão sempre que necessário. E que, sobretudo, manifeste por meio da vida de oração a beleza e a alegria do encontro pessoal com Cristo, do diálogo entre Deus e nós, seus filhos. Assim, quando celebrarmos os grandes momentos deste Ano da Fé, dentre os quais a Jornada Mundial da Juventude Rio 2013, a Fé Cristã seja testemunhada tão eficazmente nas grandes proporções desse evento quanto o deve ser nas circunstâncias do dia-a-dia.

Nesta perspectiva, tenhamos todos a consciência, sobretudo os jovens, de que somente na amizade com Cristo se abrem de par em par as portas da vida, somente nesta amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da condição humana, somente nesta amizade experimentamos o que é belo e o que liberta. Por isso, que a juventude não tenha medo de Cristo! Ele não tira nada, Ele dá tudo. Quem se doa por Ele, recebe cem vezes mais.

Que a juventude abra as portas a Cristo, assuma o protagonismo que o Ano da Fé lhe confia e encontre a vida verdadeira e a felicidade sem fim!

“Somos entidades que atuam no cuidado e na defesa do direito das pessoas necessitadas”, afirma dom Leonardo.

“Somos entidades que atuam no cuidado e na defesa do direito das pessoas necessitadas”, afirma dom Leonardo.

 
Na última segunda-feira, 5 de novembro, o Secretário-Geral da CNBB, dom Leonardo Ulrich Steiner, participou da abertura do Seminário “Relações Estado e Sociedade”, promovido em parceria com diversas entidades religiosas da sociedade civil. O evento, que se encerrou hoje, reuniu sugestões para a proposta de Marco Regulatório que o Governo Federal deve enviar em breve ao Congresso Nacional, a fim de definir a atuação das entidades e organizações da sociedade civil e seu relacionamento com o Estado Brasileiro.
 
As propostas, frutos do seminário, foram entregues ao Secretário-Geral da Presidência da República, ministro Gilberto Carvalho, que participou do encerramento do evento. A seguir, reproduzimos a íntegra do discurso de dom Leonardo, na abertura do Seminário.
Seminário Relações Estado e Sociedade
Brasília, 05/11/2012
Saúdo a todos e todas com a lembrança da Carta de São João lida na liturgia católica no dia de ontem: “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos” (1Jo 3,1). Irmãos e irmãs. Sejam todos bem vindos. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB agradece a presença de todos e todas a este Seminário que nos permite aprofundar o diálogo sobre a relação Estado e Sociedade.
Uma palavra de gratidão a todas as pessoas e entidades que possibilitaram esse seminário. Muito obrigado em nome de muitas entidades necessitadas de nossa ajuda e solidariedade.
Serve de base ao diálogo nesse seminário a iminente proposta de regulação que a Presidente Sra. Dilma Vana Rousseff apresentará ao Congresso Nacional estabelecendo as relações do Estado com as Organizações da Sociedade Civil. Queremos, com este Seminário, dentre outros objetivos, estabelecer propostas e apresentá-las ao Governo a fim de que ajudem a construir um Marco Regulatório que atenda plenamente às Organizações da Sociedade Civil.
Sabedores que somos das discussões realizadas e das propostas elaboradas no diálogo entre o Governo e a Sociedade desejamos, com o presente seminário, dar prosseguimento ao diálogo, à apresentação de propostas nessa relação das Organizações Sociais e o Estado. Vale salientar que o Estado existe porque existe o cidadão, isto é, as pessoas que deixam ser e dão razão ao Estado existir.
O Estado, sabemos todos, tem a tarefa de atender a toda a sociedade na busca da justiça e do bem comum. A realidade o desafia com demandas e situações das mais diversas tanto de ordem política e social, quanto econômica, cultural. A Igreja Católica e, creio, também as demais Igrejas irmãs aqui presentes, “não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende de modo algum imiscuir-se na política dos Estados; mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação” (Caritas in Veritate, 9).
As organizações da Sociedade Civil em geral e das Igrejas em particular desempenharam e ainda desempenham, ao longo da história brasileira, importante papel na transformação da realidade das populações e na construção da democracia e da justiça social. Especificamente em relação à atuação das Igrejas, a opção e o compromisso pela busca de uma nova realidade para as populações mais pobres, motivaram inúmeros grupos e comunidades a ela vinculados a se empenhar para que sejam criadas condições de mudança efetiva na vida do nosso povo, com a conquista de direitos e acesso aos bens e riquezas da nação, além da redução da desigualdade e da construção de espaços de felicidade e bem viver para todas as pessoas.
Em muitos locais e ambientes, as organizações sociais e de Igrejas encontram-se mais perto e têm mais condições de intervir em favor dos mais pobres do que as estruturas do Estado. Seu comprometimento com as populações mais necessitadas as torna mais aptas a buscar soluções para problemas e desafios sociais. Para realizar este importante papel de promoção e transformação social, no entanto, precisam ser apoiadas e ter sua atuação facilitada. Seria lamentável que fossem substituídas pela burocracia ou pela utilização de recursos mediados por poderes que nem sempre estão exatamente inseridos numa perspectiva de promoção da cidadania.
A atuação das organizações sociais e das Igrejas tem enfrentado dificuldades que comprometem seu trabalho e sua própria existência. Entre estas dificuldades encontram-se condições complexas de regulação da relação Estado e Sociedade para o acesso a recursos públicos, bem como o cumprimento de inúmeras obrigações que esta relação acabou por incorporar, tanto no que se refere à necessidade de transparência da utilização dos recursos como pela dificuldade de setores do Estado de compreender e criar melhor ambiente para o desempenho do papel essencial dessa contribuição.
De modo particular desejamos citar, por um lado, a prática de várias áreas técnicas, administrativas e de controle (interno e externo) do Estado que adotam uma postura de desconfiança e resistência ao diálogo com entidades conveniadas e, por outro, a imensa dificuldade no cumprimento de exigências que são mais adequadas a empresas de capital ou a estados e municípios, com grande infraestrutura e pessoal do que a pequenas organizações que mobilizam voluntários.
É fundamental, portanto, que a legislação que define as formas e implementação da relação Estado e Sociedade seja adequada e específica, em consideração ao papel necessário da organização social na construção da cidadania para todas as pessoas e para consolidação de uma Democracia cooperativa em nosso país, com justiça e igualdade. As Organizações da Sociedade Civil e, por isso mesmo das Igrejas, de modo particular as Pastorais Sociais, têm a responsabilidade de fazer um trabalho social essencial, sem jamais buscar benefícios para si mesmas. Por isso, a observação da relação deveria se balizar pelos resultados na conquista da justiça social, facilitando sua atuação com condições mais adequadas, correspondentes ao apoio ao seu funcionamento. Isso implica manutenção de equipes liberadas, inexigibilidade de contrapartida, prestações de contas simplificadas e calcadas no compromisso com as populações e possibilidade de participação dos setores populares e de mais baixa renda na execução de políticas, sem critérios que os excluem da participação de editais e acesso aos recursos.
Lamentamos que ainda exista, por parte de setores de nossa sociedade, a criminalização de várias organizações sociais. Incorrem neste risco determinados setores do Estado ao exigirem a revisão de prestação de contas de 10, 15 ou 20 anos, tendo como parâmetros regras atuais, sem considerar a situação da época em que foi realizada a atividade conveniada e sem perspectivas que, em determinado momento, a questão da prestação de contas se encerre em definitivo. Pesa ainda mais o fato de que as normativas são de caráter particular e diferentes em cada Ministério, trazendo imensos problemas de gestão, custos com prestações de contas diferenciadas e redução da atuação social em função do atendimento à burocracia.
Nesse sentido podemos lembrar que cerca de 2.100 entidades já foram citadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) para o recolhimento de tributos porque desenvolveram ações de defesa de direito, cuja comprovação material não foram aceitas. Essas entidades correm o risco de fechar e até de entregar o patrimônio ao Estado.
Vemos, por isso, com muita expectativa a construção de um novo marco regulatório da relação Estado e Sociedade, que este Seminário pretende debater. Para responder às expectativas tanto do Governo quanto das Organizações da Sociedade Civil, é necessário ouvir a todos, também grupos sociais pertencentes a populações de baixa renda e economicamente frágeis ou marginalizados como catadores de material reciclável, agricultores familiares, egressos do sistema penitenciário e da área de saúde mental, quilombolas e comunidades indígenas, e garantir sua participação através de suas organizações e cooperativas.
O papa Bento XVI nos recorda que o Estado deve abrir-se cada vez mais à participação da sociedade. Diz o papa: “Um Estado, que queira prover a tudo e tudo açambarque, torna-se no fim das contas uma instância burocrática, que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor — todo o homem — tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal. Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio de subsidiariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade aos homens carecidos de ajuda” (Deus Caritas Est, 28).
Somos entidades religiosas da sociedade civil que atuam no cuidado dos pobres e na defesa do direito das pessoas necessitadas, não necessariamente só aquelas empobrecidas. Temos servido às pessoas em situação de vulnerabilidade ou risco social. Nosso trabalho e luta nasceu da provocação da ameaça de setores da política pública de assistência social de descaracterizar as ações de solidariedade social como oferta de ações pastorais e de defesa do direito que não se enquadram na matriz de assistência social.
É neste contexto que se inserem tanto as organizações da sociedade civil, quanto as organizações religiosas. Seu passado testemunha o quanto têm sido imprescindíveis na construção de uma sociedade em que se eliminem as desigualdades e sejam respeitados o direito e a dignidade da pessoa humana, especialmente os mais vulneráveis.
É preciso, portanto, avançar e não permitir recuos nas várias instâncias que propiciam essa participação como os Conselhos, Fóruns e outros mecanismos de participação popular com vistas à definição das prioridades públicas e ao controle e transparência na execução das políticas e do uso dos recursos, especialmente nos estados e municípios.
Este Seminário, certamente, reforçará o caminho do diálogo da Sociedade Civil e das organizações vinculadas às Igrejas com o Estado, facilitando sua nobre tarefa de contribuir na construção de uma nova sociedade, justa, fraterna e solidária.
A sociedade justa não é unicamente obra da Igreja, recorda-nos Bento XVI. Temos consciência de que ela deve ser realizada pela política. “Toca, porém, à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem” (Deus Caritas Est). Esta é nossa disposição neste Seminário.
Muito obrigado pela presença. Sejam bem-vindos e bom e frutuoso trabalho a todos e a todas!
+ Leonardo Ulrich Steiner Bispo Auxiliar de Brasília Secretário Geral da CNBB

O homem invisível .

O homem invisível .

Ter, 06 de Novembro de 2012 11:53

por: cnbb . Dom Murilo Krieger Arcebispo de Salvador (BA) e Primaz do Brasil

O título desta crônica poderia dar a impressão de que farei um comentário, um tanto fora do tempo, sobre o livro publicado em 1952 pelo até então desconhecido escritor Ralph Elison. Na ocasião, ele surpreendeu o mundo literário norte-americano com uma obra que se tornou um marco na história da segregação racial dos Estados Unidos, dando origem a um filme igualmente famoso. Escolhi o título e o tema desta minha reflexão a partir da notícia que li em um jornal, numa dessas viagens que faço por obrigação de ofício. Não foi possível ficar com o texto, pois o jornal era emprestado, mas guardei as ideias gerais que o artigo abordava, ao menos da parte que consegui ler (a viagem terminou antes de minha leitura...). Em síntese: um estudante de Sociologia, na cidade de São Paulo, quis conhecer o olhar das pessoas nas avenidas de uma cidade grande – isto é, saber o que elas realmente veem, para onde se voltam e a que dão valor. Vestiu-se por isso de forma simples, como se fosse um dos muitos trabalhadores braçais que diariamente cruzam os caminhos de todos. Sua primeira surpresa: em pouco tempo percebeu que simplesmente não era notado por ninguém! Sim, ninguém percebia sua presença, ninguém o notava, nem mesmo seus velhos conhecidos e amigos. Constatou que, para muitos, ele simplesmente não existia: havia se transformado em um homem invisível. Tempos depois, mudou de tática: começou a andar pelas mesmas avenidas, mas vestido de terno e gravata, com uma pasta de executivo na mão. Agora, tudo mudou: era visto por todos, cumprimentado por muitos e sua passagem era saudada pelos amigos. Alguns, inclusive, não se continham e, ao vê-lo chegando, comemoravam o encontro e diziam algo assim: "Nossa, há quanto tempo não o vejo!" Bem, como não li o final do artigo, fiquei sem conhecer todas as conclusões a que o sociólogo chegou, após tão curiosa experiência. Imagino que, antes de tudo, passou a não aceitar mais o velho provérbio: "O hábito não faz o monge". Descobriu que faz, sim, e muitas vezes chega a ser determinante para que alguém seja reconhecido na sociedade. Aqui e ali se toma conhecimento de outras experiências, semelhantes a essa – e que, inclusive, deram origem a livros. Quem não se lembra da história de um jovem senhor que, bem vestido, passou a frequentar ambientes requintados, apresentando-se como filho de um poderoso empresário? Ninguém, nunca, se lembrou de lhe pedir documentos. Assim, participou de inúmeras festas e banquetes: sempre de graça, sempre bem acolhido!... O tema está aberto a várias reflexões e conclusões. Escolho uma: a necessidade de estarmos atentos aos homens (e, naturalmente, às mulheres) invisíveis de nossa sociedade. O mínimo que merecem de nós é consideração e respeito. Afinal, são seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus. Alguns fazem trabalhos tidos como simples e, por isso mesmo, pouco considerados; outros, nem trabalho sistemático têm. Estão aí, passam ao nosso lado, nas ruas de nossas cidades, e não os vemos. Alguém já se deu ao trabalho de se perguntar como tais homens invisíveis nos olham? O que pensam de nós, de nossa autossuficiência e indiferença? Ou será que também eles julgam tudo isso natural, como se a vida fosse assim mesmo? De nossa parte, nos deveríamos perguntar: como seriam essas pessoas, se tivessem tido as condições que nós mesmos tivemos? O que seria deles, se tivessem nascido em uma família bem estruturada, se tivessem estudado e, desde seus primeiros anos de vida, tivessem crescido com as condições básicas para uma vida digna? Segundo a antecipação que Jesus fez do julgamento final (Evangelho de Mateus, capítulo 25), seremos julgados pela acolhida (ou indiferença) que tivermos dado aos "homens invisíveis" que tiverem passado em nossos caminhos. É nossa eternidade que está em jogo. Acolher tais "homens invisíveis" não é, pois, mera questão de boa educação: é questão de amor. E do amor (ou de sua falta) nascem consequências que terão repercussão na eternidade.